domingo, 7 de outubro de 2012

Eu sou brega e daí?

Por Amanda Borba.



Na semana retrasada acabou a novela das sete, “Cheias de Charme”. Sim, caros leitores, eu sou noveleira de carteirinha, adoro um dramalhão! Pois bem, a música de abertura da novela me chamou atenção, pois revelava o clima “brega” que a história do folhetim revelava. Inclusive me lembrou o filme brasileiro chamado “Domésticas” e que a trilha sonora era baseada em músicas de cantores considerados “bregas”. A partir disso surgiram duas perguntas: o que é música brega e o que é ser brega?

Eu e um grupo de amigas nos autodenominamos como “Bonde das bregas”, pois nos simpatizamos com alguns artistas considerados cafonas e de mau gosto.  Tanto que nosso sangue ferve pelo Sidney Magal, nosso muso supremo. Mas nossa breguice vai além de uma simples simpatia. É emocional.


Magal é muso!


Muita gente não admite, mas lá nas profundezas de seu ser mora um brega. E tenho certeza que muita gente escuta escondido, principalmente nos “dias de dor de cotovelo” aquelas canções bregas internacionais (sim, existem várias!) ou os tradicionais bregas do nosso cancioneiro popular.


"All by myself" interpretada por Eric Carmem é um clássico do brega internacional.


No dicionário a palavra brega significa “cafona”, “de mau gosto” ou “de qualidade inferior”. Mas para quem se considera brega, a palavra possui outros significados. Os bregas são afetivos, impulsivos e gentis, experimentam e vivenciam a emoção de maneira diferente dos admiradores de outros gêneros musicais. Sua emotividade é irreprimível, transbordante e se renova quando se encontra no universo da música brega. No entanto, o que é música brega?

O momento atual no qual vivemos é caracterizado pelo seu dinamismo, pela natureza mestiça, volúvel, efêmera e principalmente pela diversidade cultural e pelas trocas que se dão a nível global. A música brega não contem características suficientemente claras ao ponto de podermos definir com segurança que determinado cantor ou banda é brega justamente por apresentar a mesma pluralidade.

Geralmente dizemos que alguma música é brega quando percebemos que a letra é romântica e com rimas fáceis como “céu e mel”, “amor e dor”, “viver e sofrer”, além de arranjos não sofisticados. Segundo as elites intelectual e socioeconômica e os adeptos da MPB, a balada brega é a música mais ordinária, óbvia e sentimental possível. Uma cafonice sentimentalóide e alienante. Entretanto, o mundo brega se apropriou de tantas culturas musicais diferentes que muitas vezes se confunde com outros gêneros como sertanejo e forró eletrônico (seja lá o que for isso). Por exemplo, para os “intelectuais” o repertório de Leandro e Leonardo é considerado música brega. Para as camadas mais baixas, Leandro e Leonardo representavam a música sertaneja. Para muita gente a banda Calypso é considerada brega, embora misturem calipso com carimbó, forró, merengue e lambada. Enfim, se é brega ou outro tipo de música ninguém sabe ao certo. Portanto a definição da música brega é inconclusa.


Uma das minha preferidas no karaokê!! hahahaha


Para entender o motivo de a música brega ser considerada de mau gosto é preciso entender que existem pesquisas no campo da sociologia que problematiza o nosso gosto como condicionado socialmente. Dependendo das condições culturais e sociais em que pertencemos nosso gosto será construído. O gosto une e separa setores sociais, sendo também responsável pela formação de divergências dentro do campo de consumo.

Segundo algumas pesquisas, a classificação musical foi determinada pelos acadêmicos dos anos 60 com seu discurso idealista, nacional-popular que tinham como grande missão despertar no povo a consciência necessária para a superação dos conflitos internos no âmbito social. Nesta mesma década surgiu o movimento musical Jovem Guarda atacada pelos puristas que não queriam influências externas na música nacional. Para a elite acadêmica qualquer forma de arte que estivesse desvinculada com a militância política era considerado alienante e alienado. Por exemplo, para a direita brasileira Roberto Carlos era o inimigo dos bons costumes, para a esquerda era um alienado, “cantor da ditadura”, e para os puristas um traidor da identidade e da tradição musical nacional.


Todo mundo sabe que me amarro no Robertão e não acho que tudo o que ele fez é brega. Roberto Carlos é amor no coração! 


Porém a grande maioria dos brasileiros não vivenciou com tanta proximidade o nefasto momento político e tampouco estava interessado na tradição da canção popular ou folclórica brasileira. Os impulsos populares esfolaram a sensibilidade da intelectualidade hegemônica. As classes populares não se identificavam com letras como “vem, vamos embora que esperar não é saber / quem sabe faz a hora / não espera acontecer”, ou “é preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte”. O povão queria escutar músicas que falavam de seus sentimentos. Assim como o rock que nos anos 50 sacudiu a sociedade americana através de canções ingênuas, mas que se converteu em sinônimo de rebeldia, a Jovem Guarda alcançou destaque na sociedade brasileira por meio de seu romantismo juvenil.

Quero deixar claro que citei a Jovem Guarda pelo simples fato de ter sido um movimento importantíssimo dentro do nosso cenário musical. Do “iê-iê-iê” surgiram várias vertentes musicais, ou seja, cantores mais voltados à música pop e outros mais próximos do romantismo, incluindo a música brega. Obviamente que os primórdios da música brega são anteriores e podemos identifica-los no samba-canção, na dor-de-cotovelo e até mesmo em cantores românticos como Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues que foram inspiração de diversos cantores bregas como Waldick Soriano, por exemplo.


Um pouco de Waldick Soriano no melhor estilo mariachi ranchero.


É importante notar a origem social dos músicos “bregas”. A maioria provém das camadas mais populares, já tendo exercido profissões de baixa qualificação e remuneração ou mesmo são pessoas com deficiência física, o que proporciona uma identificação e uma fonte de sensibilidade.


Bregão do anos 70. A música fala sobre uma moça na cadeira de rodas.


A elite intelectual hierarquizou o nosso gosto. Essa intelectualidade dominante ocupa espaços na imprensa, na mídia, na produção musical e no mercado editorial. Ela nos diz o que é bom e o que não é. Criou os estereótipos musicais. Música popular brasileira de bom gosto é o samba, o choro e a bossa nova. Bom mesmo são os tradicionais compositores Noel Rosa, Pixinguinha e Jackson do Pandeiro. Bom gosto mesmo são os modernos e geniais cantores/compositores Chico Buarque, Caetano Veloso e Tom Jobim. O resto é música tosca, vulgar, mal estruturada e sem refinamento estético. A música brega não é tradicional e tão pouco original. Ela é desprezada pelas elites ou por quem se acha intelectual e muitas vezes é atacada preconceituosamente.

Não acho que os ícones da MPB tenham culpa, mas aceitam de bom grado ficar do lado dominante da história. Essa depreciação a tudo o que foge das "listas dos melhores da música popular brasileira" construída pela elite intelectual causam desconforto e desestabilizam essa hegemonia. São consideradas infrações que colocam em dúvida toda a canonização da nossa música. Entretanto, os mesmos ameaçados podem rever seus próprios estereótipos. Basta ver a lista de cantores da “MPB” que gravaram música brega. Caetano Veloso gravou Peninha. Adriana Calcanhoto gravou Lilian. Odair José, conhecido como “cantor das empregadas” e “Bob Dylan da Central”, ganhou até um tributo, sendo rememorado por cantores contemplados pela elite intelectual, como Paulo Miklos, Zeca Baleiro, Pato Fu, entre outros. De brega, virou cult. “Amor I love you” de Marisa Monte é totalmente brega. Nestes casos, fica claro que é o intérprete que atribui o status de brega ou não àquela música.


O leonino Odair José é o mais injustiçado dos cronistas populares, mas, talvez, o mais talentoso. 


Marisa Monte ultimamente está muito brega. E essa música gruda na cabeça igual chiclete!


Considero-me uma pessoa eclética musicalmente. Adoro rock, samba, mpb, soul, funk americano, blues, jazz, choro, ritmos latinos, baladas românticas, músicas contestadoras e de protesto. Não gosto de vários gêneros, até porque ninguém é obrigado a gostar de tudo. Também não quero que quem leu este post ache que a música brega não existe ou que é uma maravilha genial e que deve ser apreciada. Este texto é apenas para explicar que igualmente como a nossa sociedade é dividida em classes, a música também é hierarquizada. A música brega, assim outros gêneros, é classificada como inferior, está na base da pirâmide, justamente por ser destaque do patrimônio afetivo de uma parcela significativa das camadas populares.

Ser brega não depende de classe social ou nível intelectual, depende só e tão somente, de sensibilidade. Os bregas são tolerantes com os outros. Os bregas sofrem, amam e odeiam. Enfim, são humanos. E por isso eu sempre digo, sou brega sim e daí?