Na semana retrasada acabou a
novela das sete, “Cheias de Charme”. Sim, caros leitores, eu sou noveleira de
carteirinha, adoro um dramalhão! Pois bem, a música de abertura da novela me
chamou atenção, pois revelava o clima “brega” que a história do folhetim revelava.
Inclusive me lembrou o filme brasileiro chamado “Domésticas” e que a trilha
sonora era baseada em músicas de cantores considerados “bregas”. A partir disso surgiram duas perguntas: o que é música brega e o que é ser brega?
Eu e um grupo de amigas nos
autodenominamos como “Bonde das bregas”, pois nos simpatizamos com alguns
artistas considerados cafonas e de mau gosto.
Tanto que nosso sangue ferve pelo Sidney Magal, nosso muso supremo. Mas
nossa breguice vai além de uma simples simpatia. É emocional.
Muita gente não admite, mas lá
nas profundezas de seu ser mora um brega. E tenho certeza que muita gente escuta
escondido, principalmente nos “dias de dor de cotovelo” aquelas canções bregas
internacionais (sim, existem várias!) ou os tradicionais bregas do nosso
cancioneiro popular.
"All by myself" interpretada por Eric Carmem é um clássico do brega internacional.
No dicionário a palavra brega
significa “cafona”, “de mau gosto” ou “de qualidade inferior”. Mas para quem se
considera brega, a palavra possui outros significados. Os bregas são afetivos, impulsivos
e gentis, experimentam e vivenciam a emoção de maneira diferente dos admiradores
de outros gêneros musicais. Sua emotividade é irreprimível, transbordante e se
renova quando se encontra no universo da música brega. No entanto, o que é
música brega?
O momento atual no qual
vivemos é caracterizado pelo seu dinamismo, pela natureza mestiça, volúvel,
efêmera e principalmente pela diversidade cultural e pelas trocas que se dão a
nível global. A música brega não contem características suficientemente claras
ao ponto de podermos definir com segurança que determinado cantor ou banda é
brega justamente por apresentar a mesma pluralidade.
Geralmente dizemos que alguma
música é brega quando percebemos que a letra é romântica e com rimas fáceis
como “céu e mel”, “amor e dor”, “viver e sofrer”, além de arranjos não
sofisticados. Segundo as elites intelectual e socioeconômica e os adeptos da
MPB, a balada brega é a música mais ordinária, óbvia e sentimental possível.
Uma cafonice sentimentalóide e alienante. Entretanto, o mundo brega se
apropriou de tantas culturas musicais diferentes que muitas vezes se confunde
com outros gêneros como sertanejo e forró eletrônico (seja lá o que for isso).
Por exemplo, para os “intelectuais” o repertório de Leandro e Leonardo é
considerado música brega. Para as camadas mais baixas, Leandro e Leonardo
representavam a música sertaneja. Para muita gente a banda Calypso é
considerada brega, embora misturem calipso com carimbó, forró, merengue e
lambada. Enfim, se é brega ou outro tipo de música ninguém sabe ao certo. Portanto
a definição da música brega é inconclusa.
Uma das minha preferidas no karaokê!! hahahaha
Para entender o motivo de a
música brega ser considerada de mau gosto é preciso entender que existem
pesquisas no campo da sociologia que problematiza o nosso gosto como condicionado
socialmente. Dependendo das condições culturais e sociais em que pertencemos
nosso gosto será construído. O gosto une e separa setores sociais, sendo também
responsável pela formação de divergências dentro do campo de consumo.
Segundo algumas pesquisas, a classificação musical foi determinada
pelos acadêmicos dos anos 60 com seu discurso idealista, nacional-popular
que tinham como grande missão despertar no povo a consciência necessária para a
superação dos conflitos internos no âmbito social. Nesta mesma década surgiu o
movimento musical Jovem Guarda atacada pelos puristas que não queriam
influências externas na música nacional. Para a elite acadêmica qualquer forma de arte que estivesse desvinculada com a militância política era
considerado alienante e alienado. Por exemplo, para a direita brasileira
Roberto Carlos era o inimigo dos bons costumes, para a esquerda era um
alienado, “cantor da ditadura”, e para os puristas um traidor da identidade e
da tradição musical nacional.
Todo mundo sabe que me amarro no Robertão e não acho que tudo o que ele fez é brega. Roberto Carlos é amor no coração!
Porém a grande maioria dos
brasileiros não vivenciou com tanta proximidade o nefasto momento político e tampouco
estava interessado na tradição da canção popular ou folclórica brasileira. Os
impulsos populares esfolaram a sensibilidade da intelectualidade hegemônica. As
classes populares não se identificavam com letras como “vem, vamos embora que
esperar não é saber / quem sabe faz a hora / não espera acontecer”, ou “é
preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte”. O povão
queria escutar músicas que falavam de seus sentimentos. Assim
como o rock que nos anos 50 sacudiu a sociedade americana através de canções
ingênuas, mas que se converteu em sinônimo de rebeldia, a Jovem Guarda alcançou
destaque na sociedade brasileira por meio de seu romantismo juvenil.
Quero deixar claro que citei a
Jovem Guarda pelo simples fato de ter sido um movimento importantíssimo dentro
do nosso cenário musical. Do “iê-iê-iê” surgiram várias vertentes musicais, ou
seja, cantores mais voltados à música pop e outros mais próximos do romantismo,
incluindo a música brega. Obviamente que os primórdios da música brega são
anteriores e podemos identifica-los no samba-canção, na dor-de-cotovelo e até
mesmo em cantores românticos como Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Lupicínio
Rodrigues que foram inspiração de diversos cantores bregas como Waldick
Soriano, por exemplo.
É importante notar a origem
social dos músicos “bregas”. A maioria provém das camadas mais populares, já
tendo exercido profissões de baixa qualificação e remuneração ou mesmo são pessoas com deficiência física, o que proporciona uma identificação e uma fonte de
sensibilidade.
A elite intelectual hierarquizou o nosso gosto. Essa
intelectualidade dominante ocupa espaços na imprensa, na mídia, na produção musical e no
mercado editorial. Ela nos diz o que é bom e o que não é. Criou os estereótipos
musicais. Música popular brasileira de bom gosto é o samba, o choro e a bossa
nova. Bom mesmo são os tradicionais compositores Noel Rosa, Pixinguinha e
Jackson do Pandeiro. Bom gosto mesmo são os modernos e geniais cantores/compositores
Chico Buarque, Caetano Veloso e Tom Jobim. O resto é música tosca, vulgar, mal
estruturada e sem refinamento estético. A música brega não é tradicional
e tão pouco original. Ela é desprezada pelas elites ou por quem se acha intelectual e muitas vezes é atacada preconceituosamente.
Não acho que os ícones da MPB
tenham culpa, mas aceitam de bom grado ficar do lado dominante da história. Essa
depreciação a tudo o que foge das "listas dos melhores da música popular brasileira" construída pela elite intelectual causam desconforto e desestabilizam essa
hegemonia. São consideradas infrações que colocam em dúvida toda a
canonização da nossa música. Entretanto, os mesmos ameaçados podem rever seus
próprios estereótipos. Basta ver a lista de cantores da “MPB” que gravaram
música brega. Caetano Veloso gravou Peninha. Adriana Calcanhoto gravou Lilian.
Odair José, conhecido como “cantor das empregadas” e “Bob Dylan da Central”,
ganhou até um tributo, sendo rememorado por cantores contemplados pela elite
intelectual, como Paulo Miklos, Zeca Baleiro, Pato Fu, entre outros. De brega,
virou cult. “Amor I love you” de Marisa Monte é totalmente brega. Nestes casos,
fica claro que é o intérprete que atribui o status de brega ou não àquela música.
O leonino Odair José é o mais injustiçado dos cronistas populares, mas, talvez, o mais talentoso.
Considero-me uma pessoa
eclética musicalmente. Adoro rock, samba, mpb, soul, funk americano, blues, jazz, choro, ritmos
latinos, baladas românticas, músicas contestadoras e de protesto. Não gosto de vários
gêneros, até porque ninguém é obrigado a gostar de tudo. Também não quero que
quem leu este post ache que a música brega não existe ou que é uma
maravilha genial e que deve ser apreciada. Este texto é apenas para explicar
que igualmente como a nossa sociedade é dividida em classes, a música também é
hierarquizada. A música brega, assim outros gêneros, é classificada como
inferior, está na base da pirâmide, justamente por ser destaque do patrimônio
afetivo de uma parcela significativa das camadas populares.
Ser brega não depende de classe
social ou nível intelectual, depende só e tão somente, de sensibilidade. Os
bregas são tolerantes com os outros. Os bregas sofrem, amam e odeiam.
Enfim, são humanos. E por isso eu sempre digo, sou brega sim e daí?