domingo, 16 de outubro de 2011

Meu querido Bob Charles

REPRODUÇÃO



Por Amanda Borba.

Passei toda a minha infância odiando o Roberto Carlos. Achava a voz dele feia, suas músicas eram chatas e extremamente bregas. Meu pai e minha mãe gostavam, mas o meu coroa escutava mais e até pedia para que eu gravasse os especiais de fim de ano e tudo mais. Pena que ele sempre curtiu as piores fases do Roberto e talvez isso explique a minha antipatia inicial.

Era horripilante, não dava pra escutar músicas como “Mulher de quarenta eu só quero ser o seu namorado” ou “Obsessão, não, não, obsessão. Essa mulher virou minha cabeça e o meu coração” ou pior ainda “Coisa bonita, coisa gostosa, quem foi que disse que tem que ser magra pra ser formosa”. Aaaaahhhhhhhhh! Queria me matar ao estilo Didi Mocó.

Porém uma pequena mudança aconteceu quando escutei “É preciso saber viver” na versão dos Titãs. Não acreditei. Isso é Roberto Carlos? No entanto, eu continuava com um pé atrás a respeito do Robertones. Ele ainda não havia me convencido. Ficava me perguntando como que um cara com músicas podres podia ser chamado de rei? Eu ficava inconformada.

Bom, mas depois que meu pai comprou no Largo Treze (salve os camelôs!) a discografia completa do Roberto Carlos entre 1959 e 1987, a minha visão sobre o Robertão mudou completamente. Sofreu um giro de 180 graus. Certo dia, meu pai escutava “Todos estão surdos” do disco de 1971. Eu já conhecia a versão do Nação Zumbi, mas nunca havia escutado a gravação original. Bicho, eu fiquei totalmente BES-TI-FI-CA-DA! Roberto Carlos estava cantando soul!

Aí fiquei curiosa e fui fuçar aqueles dois CDs com a discografia, em mp3, dos anos 60 e 70. E finalmente descobri que havia vida inteligente fora dos especiais de fim de ano da Globo. Continuei não curtindo a fase “iê-iê-iê”, a maioria das músicas eram bobinhas (com algumas preciosas exceções), mas me deliciei com os últimos discos dos anos 60: “Em ritmo de aventura”, “O Inimitável” e “Roberto Carlos 1969”. Eram petardos atrás de petardos. A música “Quando” já mostrava a passagem do sonzinho meia-boca para o black music. E quanto mais eu fui escutando, mais alcancei o amadurecimento das músicas do Robertão.

Mas o disco de 1969 foi o melhor da fase sessentista. Sua voz estava mais bonita e Roberto começava a se destacar como intérprete. “As flores do jardim da nossa casa”, “Não vou ficar” de Tim Maia, “Sua estupidez” e “As curvas da estrada de Santos” são alguns clássicos que estão presentes neste disco.

As flores do jardim da nossa casa - 1969 - Composição: Roberto Carlos e Erasmo Carlos.


Mas o eldorado do Roberto Carlos estava mesmo nos anos 70. Ah! Os adoráveis anos 70! Robertão continuava funk, soul, mas não era mais rock ‘n’ roll. Ele já começava a ser gospel e romântico. Os arranjos eram ótimos. No disco de 1970, destaco a canção “Jesus Cristo”. Aqui ele bebeu da fonte da música gospel norte-americana. O piano, o coro, o baixo, as palmas, tudo isso foi engrandecendo a música. Neste mesmo disco também está a canção “Vista a roupa meu bem”. É um Roberto Carlos com a voz estranha, mas muito gozador.


Não vou ficar - 1969 - Composição: Tim Maia 


O álbum de 1971 é um dos meus preferidos. Praticamente todas as músicas são maravilhosas. Tem clássicos românticos como “Detalhes” e “Amada, amante”. A música “Como dois e dois” de Caetano Veloso é um soul no melhor estilo Ray Charles e acho um charme ele cantando “tudo em volta está deserto, tudo certo”. “Todos estão surdos” também é um soul maneiríssimo e com teor religioso. Porém uma música muito engraçadinha é “I Love You”, na qual Roberto canta ao estilo de Nelson Gonçalves um fox bem-humorado.

A partir de 1972, Roberto começa a fazer aquelas obras-primas que se eternizaram na trilha sonora da vida de muita gente. Suas composições ao lado de seu amigo de fé Erasmo Carlos falam de coisas que todo mundo vive: uma despedida; a volta de quem estava longe de casa; a chegada de uma criança; filhos; um amor que não deu certo; o relacionamento de um casal; a amizade; a sabedoria na simplicidade e etc.

Jesus Cristo - 1970 - Composição: Roberto Carlos e Erasmo Carlos


No disco de 1972, destaco “Agora eu sei”, “Quando as crianças saírem de férias”, “Você é linda”, “À Distância” e “Negra”.

O álbum de 1973 também é muito legal. Gosto muito das músicas “A cigana” e “O moço velho”. Também adoro “Proposta” que é a primeira de várias canções românticas com doses de erotismo. Entretanto, o destaque vai para a última canção soul da carreira do Robertão, a música “Não adianta nada”.

Todos estão surdos - 1971 - Composição: Roberto Carlos e Erasmo Carlos

Daí pra frente, até o início dos anos 80, Roberto gravou vários clássicos românticos de seu repertório. Particularmente, AMO o Roberto Carlos de 1967 a 1980. Mas acho que entre 1969 e 1973 sua obra pode ser considerada irretocável. Contudo admito que ODEIO o Roberto da década de 80 em diante. Quando escutei “Caminhoneiro”, entendi que ali o Robertão havia escolhido outro rumo para a sua carreira.

Como 2 e 2 - 1971 - Composição: Caetano Veloso

Acredito que nesta época o Transtorno Obsessivo Compulsivo também o atrapalhou muito, já que crenças e pensamentos negativos travavam sua inspiração. Ficou repetindo melodias e só mudando as letras. Já a fase “Maria Rita” não se aproveita nada. Virou um carola chorão e inteiramente bregão. Só escrevia música de “mulher de óculos, baixinha, gordinha e de 40”. E isso é o que me dá mais raiva. Fiquei p* da vida vendo o Roberto gravar com Chitãozinho e Xororó a música “Arrasta uma cadeira” (esses dois caipiras não se contentaram em afundar sozinhos e levaram o Robertão junto). Pra mim isso foi fim de feira. Uma catástrofe mundial. Como que pode um cara sair do original, sublime e comovente e ir para o decadente, brega e chato. Infelizmente, o Roberto se acomodou e resolveu ser um cantor de cruzeiro insistindo em renegar suas canções mais primorosas.

Agora eu sei - 1972 - Composição: Édson Ribeiro e Helena dos Santos

Enfim, mesmo com tudo isso, com aquela orquestra irritante e com a Rede Globo, eu continuo adorando o Bob Charles. Hoje acho incompreensível escutar alguém dizer que não gosta dele. Talvez digam isso por desconhecimento, já que durante toda a sua carreira ele foi um camaleão e teve inúmeras fases. De todo modo, eu penso que Roberto é um dos poucos cantores com a capacidade de sensibilizar as pessoas. É um trovador repleto de sentimentos. Graças as suas odes heroicas sobre o amor e todas as coisas que acontecem na vida de qualquer pessoa, eu consegui entender porque Roberto Carlos é chamado de rei. Ele realmente foi uma brasa, mora!


O Moço Velho - 1973 - Composição: Silvio César