quinta-feira, 22 de março de 2012

O Mito Ayrton Senna do Brasil

REPRODUÇÃO


Por Amanda Borba.


Se estivesse vivo, ontem o maior ídolo esportivo brasileiro ao longo da história completaria 52 anos de idade. Por mais que eu não ache graça alguma no automobilismo (aqui expliquei os motivos http://psicoisinhas.blogspot.com.br/2011/10/f1-perdeu-graca.html) é inegável a importância e a força do mito Ayrton Senna na história do automobilismo e na sociedade brasileira.

Senna nasceu numa família paulistana de classe média alta, sendo filho de um empresário. Como ele mesmo disse em diversas ocasiões, Senna era um homem privilegiado, sempre teve uma vida muito boa. Desde muito jovem, incentivado por seu pai, desenvolveu enorme paixão pela velocidade. Começou a competir nas provas de kart e estreou na Fórmula 1 no ano de 1984. Passou pelas equipes Toleman e Lotus, antes de ingressar na união de sucesso com a McLaren, sendo campeão em 1988, 1990 e 1991.

Mas o meu objetivo com este post é entender melhor essa tal idolatria em torno de Ayrton Senna e para isso é preciso analisar alguns pontos separadamente. Em primeiro lugar, Senna não seria um dos principais ídolos do esporte mundial se não vencesse, se não obtivesse resultados, ou seja, se não fosse bom. Portanto, Senna possuía o pré-requisito básico para ser um aspirante a ídolo: talento.

A partir disso a mídia escolheu Senna como ídolo graças a características como carisma, simpatia e talento. Através de um trabalho de marketing, sua imagem foi incansavelmente repetida até a acomodação no imaginário popular.

Antes de prosseguir, vale destacar uma coincidência ligada ao futebol da época do Senna. As pessoas da minha faixa etária provavelmente desconhecem o período de “vacas magras” do nosso futebol, já que desde 1994 o Brasil tornou-se muito bem sucedido no esporte. Porém, muitos anos antes, a seleção brasileira de futebol havia vencido sua última Copa do Mundo em 1970, ficando num hiato de 24 anos, além de completar em 1989, quatro décadas sem ganhar uma Copa América. Nesta época a Fórmula 1 começou a adquirir força no Brasil, graças ao bicampeão Emerson Fittipaldi, ao tricampeão Nelson Piquet e principalmente com o também tricampeão Ayrton Senna. Era nas pistas que o país se sentia representado em todo o mundo.

Os mitos sempre cumprem uma função social, uma vez que projetam em suas imagens os sonhos e as aspirações coletivas. Deste modo, o “mito Ayrton Senna” é constituído por dois tipos de “Senna” e que convivem no imaginário popular: o semideus das pistas, veloz, selvagem, inigualável e o “rei da chuva”; e o cidadão carismático, bom-moço, tímido e simples. Sua imagem estava vinculada a ideia de um corajoso guerreiro e de um cidadão exemplar.

Neste processo de criação de ídolos é importante compreender que a indústria cultural visa o consumo. Para que o sujeito se transforme em consumidor é preciso que ocorra um enfraquecimento do poder de reflexão sobre sua própria decisão. Porém, nós, os consumidores, não somos apenas componentes de um mercado de produtos, mas também de um mercado de sentimentos, pois os indivíduos na organização capitalista são ao mesmo tempo objetos desejantes e de desejo, sendo que as celebridades são as mercadorias que os consumidores desejam possuir, porém numa relação que vai além de uma simples admiração e que ganha contornos de um desejo sexual.

Na nossa sociedade de consumo as imagens são pensadas na intenção de fazer o maior impacto possível no espectador ou na plateia tornando-se fetiches. No caso de Senna, sua imagem nos é apresentada de maneira extremamente sedutora, emotiva e representativa, pois o maior orgulho brasileiro estava no franzino piloto agitando a bandeira brasileira sempre após um triunfo e sendo acompanhado pelo “Hino da Vitória” entoado repetidamente pela Rede Globo, além do discurso bastante carregado de uma verbalização entusiasta de Galvão Bueno, que por muitas vezes lembrava um torcedor desequilibrado. Quem não se lembra dos gritos insuportáveis do Galvão Bueno falando: “Ayyyyyyrton Senna do Brasil!!!”?

Dito isto, outra distinção importante é que o status de celebridade implica uma divisão entre um eu privado e um eu público, sendo o primeiro a sua identidade verdadeira e o segundo o seu rosto público, ou seja, uma fachada que desperte interesse nas pessoas.  O eu público de Ayrton Senna descrevia um homem “vencedor, patriota e simpático”, tornando-se um modelo para uma sociedade.

Mas um ingrediente de grande impacto para esta formação do “mito Ayrton Senna”, foi a Rede Globo. A “Vênus Platinada” era e ainda é a detentora dos direitos de transmissão da F1. Além do mais, Senna possuía uma amizade forte com Galvão Bueno. Desta maneira temos uma fórmula quase perfeita de um ídolo: Rede Globo + carisma + talento + vitórias = quase divindade.

Mas como sempre digo, por trás de todo bom-mocismo exagerado sempre existe muita enganação. Senna possuía muitas destas características, porém algumas delas são retratadas de maneira bem distante da realidade. É difícil ver simplicidade num homem que esbanjava sua riqueza expondo mansões, lanchas, aeromodelos, pista de kart em fazenda particular e outros tipos de ostentações. Seu bom-mocismo também é discutível já que em 1990 jogou seu carro pra cima do Alain Prost, utilizando-se da mesma manobra utilizada pelo francês um ano antes, além do relacionamento ruim com os antagonistas da pista (depois dizem que só o Schumacher é o Dick Vigarista...). Tímido, aparentemente, ele não era já que sua vida pessoal sempre foi bastante explorada e algumas de suas namoradas tornaram-se famosas.

Mas sua mitificação foi completa graças a sua morte precoce. Senna morreu ainda jovem, aos 34 anos e ainda no auge de sua carreira. Ayrton Senna foi o primeiro campeão a morrer durante uma transmissão televisionada de um GP. O mundo inteiro acompanhou seu violento acidente. Sua perda encaixa-se perfeitamente na noção de “bela morte”. Para os gregos um guerreiro que morresse no auge de sua juventude e em uma batalha, após superar vários obstáculos, teria conquistado uma morte gloriosa. Sendo assim, a morte de Senna complementou e divinizou suas glórias nas pistas. A imagem que ficou de Ayrton foi de um herói, um mártir, não sendo apenas um simples ídolo e sim um mito. Um ponto que vale destacar é que ninguém viu e nem verá o seu período de decadência. Com toda certeza, se Senna estivesse vivo sua idolatria e endeusamento não seriam a mesma coisa, já que todo mundo acompanharia seu declínio.

No Brasil, muitas pessoas custaram a acreditar na notícia de sua morte, provocando o chamado “efeito São Tomé”. Para ter um exemplo, lembro que na época eu tinha sete anos de idade e meu pai me deu a notícia de sua morte. Realmente, para uma criança, a morte de Senna era algo absurdo e impensável. Não acreditei de início. Contudo, de uma forma diferente, a população brasileira queria ter a certeza de sua morte acompanhando, como se fosse uma procissão, o cortejo de seu funeral.

Entretanto, não somente seus fãs o idealizavam, mas também a nação brasileira, tanto que muitas pessoas o consideravam como alguém próximo, como um familiar. Sendo Senna um familiar ou um ente querido, a reação à sua morte é a de um luto. Quando os milhões de brasileiros choraram por Ayrton, na verdade choraram por suas perdas, por seus fracassos, e principalmente por terem perdido o seu orgulho de ser brasileiro.

Como não sou fã de automobilismo, nunca tive uma grande admiração por Ayrton Senna. Pra falar a verdade nem o considero o maior piloto, como afirmam alguns fãs, mas também não o considero um engodo, como avaliam seus antipatizantes. Simplesmente nunca me identifiquei com sua imagem ou com suas frases tão repetidamente reproduzidas em redes sociais. Infelizmente, a fatalidade se encarregou de imortalizar a sua figura.