quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

São Paulo: O Clube da Fé

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Por Amanda Borba.

“José e Antônio resolveram criar um clube e escolheram as cores e o nome da nova agremiação. E assim nasceu...” Peraí, pára tudo! Não, definitivamente a história do meu amado Tricolor Paulista não é tão simples como a da maioria dos clubes brasileiros. Sua narrativa é repleta de renascimentos, lendas e curiosidades.

Está fundado nesta capital mais um grande clube de futebol”.

Assim, no dia 25 de janeiro de 1930, o jornal Estadão anunciou a criação do primeiro São Paulo Futebol Clube. Sim caros leitores, o primeiro.

Aliás, antes de qualquer coisa, é interessante notar que todos os grandes clubes da capital paulista nasceram para representar algum grupo da sociedade paulistana no início do século XX. O Corinthians apareceu para representar os trabalhadores e imigrantes pobres da região do Bom Retiro; o Palmeiras (que no princípio era Palestra Itália) surgiu para representar a colônia italiana; a Portuguesa de Desportos representava a colônia portuguesa; e o São Paulo, devido os seus antepassados, representava a elite paulistana “quatrocentona” (neologismo para nomear legatários legítimos ou supostos dos primeiros paulistas, ou seja, os bandeirantes ou mandachuvas coloniais).  Atualmente, essas representações não fazem mais nenhum sentido, já que a sociedade paulistana mudou completamente.



"Futebol no Patropi, sou mais é o Tricolor do Morumbi". Só o nariz do Juca Chaves nos salvará!

Bem, o Tricolor Paulista surgiu da fusão de dois times da época amadora do futebol brasileiro: o Club Athlético Paulistano e a Associação Athlética das Palmeiras. No início, o futebol no Brasil era um esporte elitista. O Paulistano, por exemplo, foi fundado por um grupo de jovens da oligarquia paulistana em 1900. Dois anos depois, em 1902, a A.A. das Palmeiras foi fundada pela elite tradicional formada por graduandos, bacharéis e doutores.

Para título de curiosidade, o alvirrubro Paulistano foi simplesmente o maior clube da era amadora, conquistando 11 títulos paulistas, incluindo um tetra campeonato (único time paulista a conquistar esta façanha). Além disso, o primeiro grande jogador do futebol brasileiro e o mais importante do amadorismo foi Arthur Friedenreich. Arthur era um mulato de olhos verdes e jogou entre 1909 e 1935. O racismo nos esportes só começaria a diminuir na década de 1930. Todavia, Friedenreich foi uma exceção por causa do sobrenome e da origem burguesa, herdados do pai, comerciante alemão.

No entanto, depois de muitos problemas, o departamento de futebol do Paulistano foi fechado e a A.A. das Palmeiras só tinha dívidas. Juntando a fome e a vontade de comer, jogadores e diretores da A.A. das Palmeiras se ligaram aos persistentes do Paulistano, antigo rival, com a intenção de criar um novo clube. De tal modo nasceu o São Paulo Futebol Clube. A assembleia de oficialização da fundação aconteceu no dia 27 de janeiro de 1930.



São Paulo Futebol Clube da Floresta. Time campeão de 1931.

O nome foi escolhido para homenagear o próprio estado e as cores eram uma combinação do vermelho e branco do Paulistano e do preto e branco da A.A. das Palmeiras, além de reproduzir as três cores da bandeira paulista.

Este primeiro SPFC é ainda conhecido como São Paulo da Floresta, pois se localizava na Chácara da Floresta, às margens do rio Tietê. Entre 1930 e 1935 o SPFC da Floresta conquistou um título paulista e quatro vice-campeonatos. Neste período, Arthur Friedenreich, o maior jogador brasileiro até então, marcou 68 gols com a camisa tricolor.

Mas graças às dívidas adquiridas por causa da nova sede social, o Trocadero, e de outras despesas, o SPFC da Floresta deixou de existir após a fusão com o Clube Regatas Tietê.

Mas a chama ainda estava acesa e como dizem os gaúchos “não está morto quem peleia”. Depois de muita mobilização, em 16 de dezembro de 1935 aconteceu o renascimento do maior clube deste país. Da mesma forma como o pássaro mitológico que se renova no fogo e que é símbolo de renascimento e da ressurreição, o SPFC surge como a fênix do futebol paulista e brasileiro.

Agora o "time da elite" não existe mais (embora este mito ainda persista). Quando o clube foi refundado em 1935, era um time extremamente pobre e a torcida, apesar de pequena, também era composta por trabalhadores. Portanto, o clube ressurgiu de forma humilde e aos trancos e barrancos foi tentando se firmar entre os maiores do esporte bretão.

Após o renascimento, sua primeira partida oficial aconteceu no dia 25 de janeiro de 1936 e a autorização aconteceu num receituário médico, entregue pelo secretário da educação ao tenente mineiro Porphyrio da Paz. Por este motivo o São Paulo, mesmo recriado em 16 de dezembro, celebra seu aniversário em 25 de janeiro.

Durante os primeiros anos, muitas fusões de outros clubes com o novo SPFC aconteceram. O clube caçula caminhava com dificuldade e os rivais mais velhos aproveitavam a oportunidade para tirar o sarro chamando os são paulinos de “pobretões metidos a bestas” e de “time pequeno”. Em 1937, o cronista esportivo Thomaz Mazzoni criou a alcunha mais simbólica e significativa da história do São Paulo:

Recentemente surgiu o São Paulo FC Júnior, com as mesmas pretensões do antigo. Se o novo São Paulo veio ao mundo da bola sem os haveres, fama e prestígio dos seus antepassados trouxe a maior das riquezas: a fé no seu destino, o amor ao seu hoje. Somente a fé poderia levar o atual Tricolor a nascer como um clube varzeano qualquer e tornar-se logo uma agremiação no caminho reto do progresso do futebol superior. O Clube da Fé, como merece ser chamado o atual São Paulo FC, está se encarregando de ser grande e campeão.”

Daí pra frente muita coisa aconteceu. O filho caçula dos grandes times do Brasil firmou-se. Os são paulinos mais antigos se lembrarão do primeiro grande esquadrão tricolor da década de 1940 e de nomes que soavam como poesia: Rui, Bauer, Noronha, Sastre, Leônidas e Teixeirinha.




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Leônidas da Silva, o "diamante negro" (o chocalate da Lacta foi criado em homenagem a Leônidas). Ele foi o primeiro grande jogador brasileiro da Era Profissional, o primeiro negro a assumir a condição de astro de futebol e o divisor de águas da história do SPFC. Depois de Leônidas, o São Paulo nunca mais foi o mesmo. De fracasso virou sucesso. 


Outros citarão Canhoteiro, o mago dos dribles impossíveis e que serviu de inspiração para muitos cantores brasileiros, como Zeca Baleiro, Fagner e até mesmo Chico Buarque (que é tricolor carioca, mas que já declarou admiração e simpatia pelo tricolor paulista, graças a Canhoteiro). Outro grande jogador da década de 1950 foi o mestre Zizinho, o principal jogador brasileiro antes da Era Pelé no Santos.



"O Futebol", Chico Buarque. Para Mané, Didi, Pagão, Pelé e Canhoteiro.


"Canhoteiro", Zeca Baleiro e Fágner. Uma lenda esquecida até mesmo no museu do São Paulo Futebol Clube. 


Mas nem sempre “ser são paulino é uma grande moleza” como diria o cabeçudo do Milton Neves. Os tricolores amargaram anos difíceis em seu início e um jejum de 13 anos entre 1957 e 1970. O jejum tricolor coincidiu com a construção do Morumbi, com o jejum corintiano e com a fase dourada do Santos de Pelé e da Academia alviverde. Nesta época existia uma piadinha que dizia o seguinte: "Quem torce para o Santos é ouro. Quem torce para o Palmeiras é prata. Quem torce para o São Paulo é cachorro vira-lata". E como todo bom vira-lata, o Tricolor durante muito tempo foi considerado um time simpático. Segundo relatos de parentes, até mesmo corintianos gostavam do SPFC. Hoje, depois de tantos títulos, a história mudou.


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Nem só de futebol vive o homem são paulino. Éder Jofre é considerado por muitos conhecedores do boxe como o maior pugilista brasileiro. Ele lutava sob as cores do São Paulo e esta foto é do dia em que ele foi campeão mundial em 1960.



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No escudo do São Paulo as duas estrelas douradas foram adotadas em sua homenagem. Elas se referem aos recordes mundiais batidos por Adhemar Ferreira da Silva nas Olimpíadas de Helsinque em 1952 e nos Jogos Panamericanos da Cidade do México em 1955.

Continuando a saga tricolor, as vacas gordas voltaram na década de 1970, graças a craques como Gerson, Toninho Guerreiro e os uruguaios Pablo Forlán e Pedro Rocha. Inclusive, Pedro Rocha é considerado por muitos são paulinos o maior jogador da história do SPFC. Sempre escutei meu pai falar da classe, da raça e da visão de jogo deste oriental. Um monstro sagrado!

Por falar nisso, o SPFC é o clube paulista com mais tradição em jogadores uruguaios e argentinos. Antonio Sastre foi o primeiro argentino que fez sucesso em Terra Brasilis. El Maestro era dos principais nomes da legendária seleção argentina do anos 40. Em 1953, o Tricolor foi campeão paulista tendo três jogadores argentinos no elenco principal, como o goleiro José Poy (um dos arqueiros mais queridos do clube), Gustavo Albella (Che Guevara vibrou com seus gols em Alta Gracia, vilarejo próximo de Córdoba) e Juan José Negri, além do técnico argentino Jim Lopes (pseudônimo de Alejandro Galán). Do lado uruguaio, os destaques são para o “Caveira Simpática” Pablo Forlán, “El Verdugo” Pedro Rocha, o implacável Darío Pereyra e o monstruoso Diego Lugano.

Nos anos 80, o Tricolor formou grandes equipes e foi disparado o melhor time paulista da década. Entretanto, o destaque vai para os “Menudos do Morumbi” composto por Pita, Silas, Sidney, Müller e Careca.



Guarani 3 x 3 São Paulo. Campeonato Brasileiro de 1986. A melhor final de todos os tempos em Brasileirões. Dois timaços, muitos gols, prorrogação e emoção. Faltando dois minutos para acabar a prorrogação e o jogo, Careca marca um gol suado, sofrido e catártico, acabando com o sonho bugrino do título e acendendo a esperança tricolor. Este é o gol mais emocionante da história são paulina.

Desde que me conheço por gente sou são paulina. Na verdade, sou são-paulina de outras encarnações. E, pela minha idade, sou cria da Era Telê Santana. A equipe do Telê foi simplesmente um dos maiores esquadrões da história do futebol brasileiro e mundial. No Brasil, a hegemonia santista foi a mais longa, dominando praticamente toda a década de 1960. O São Paulo do Telê teve sua hegemonia num período mais curto, entre 1991 e 1994, porém muito mais bem sucedido que o Santos de Pelé no que diz respeito a títulos internacionais oficiais. Graças a Telê, o São Paulo conquistou respeito internacional e tornou-se a terceira maior torcida do país (algo inimaginável, já que a torcida tricolor na década de 80 era a sétima maior do país).

O time do Telê Santana era rápido, com um ótimo toque de bola e jogava sem um centroavante fixo. Foi um período que até os reservas ganhavam títulos, o chamado “Expressinho”. Os grandes nomes desta Era foram: Zetti, Müller, Palhinha, Pintado e Raí, o “Terror do Morumbi”.



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Irmão de Sócrates, Raí é o maior nome da Era Telê Santana e um dos maiores ídolos do clube.

O Tricolor que começou engatinhando no futebol paulista, hoje é facilmente um dos maiores clubes da história do futebol nacional, sem contar o fato de estar longe de ser um clube centenário.

Quem lê este blog e as coisas que escrevo sabe que sou são paulina roxa. Nenhuma novidade. Também devem imaginar como estou contente escrevendo este post sobre a história do meu amado Tricolor. Gostaria de dissertar um pouco mais, porém um post apenas não daria conta. São muitas histórias. Já vivenciei diversas emoções com este time, que assim como um bom filme, sabe fazer seu torcedor rir e chorar. O São Paulo Futebol Clube é o meu Cinema Paradiso. Sensível, habilidoso, romântico, grande, folclórico e requintado.

Salve o Tricolor Paulista! O mais amado clube brasileiro!


Hino Oficial do São Paulo Futebol Clube, escrita pelo tenente e farmacêutico Porphyrio da Paz.