domingo, 30 de outubro de 2011

Maradona: La Mano de Dios

REPRODUÇÃO

Por Amanda Borba


Hoje Diego Armando Maradona está completando 51 anos de idade. Quem me conhece sabe que me amarro no Dieguito. Quem não me conhece fica surpreso com a revelação. Geralmente, as pessoas costumam torcer o nariz quando falo o nome de Maradona ou então repetem aquela mesma arenga idiota, o chamando de “argentino drogado, cheira pó ou gordo fumeiro”. Pura cretinice.

Meu pai sempre foi um grande admirador do futebol argentino e fã incondicional de Maradona. Ele acompanhou toda a carreira de Diego, tem vídeos e sempre explica porque, em sua opinião, Maradona é o melhor jogador da história do futebol. Por isso, graças ao meu velho, passei a gostar do Maradona e a ter simpatia pela Argentina.

Não lembro bem ao certo quando decidi saber mais sobre Diego. Acredito que foi lá pelos meus 15, 16 anos. Até então eu não sabia dizer quem, em minha opinião, era o melhor jogador de futebol de todos os tempos. O único jeito era pesquisar sobre as carreiras e assistir vídeos dos maiores futebolistas da história.

E foi o que eu fiz. Assisti muitos vídeos de jogadores como Garrincha, Pelé, Di Stéfano, Zico, Cruyff, Platini, Zidane, antes de chegar ao Maradona. E tudo que eu havia visto até então não se igualava em nada com o que eu assistia de Diego. Jogadas que não vi nenhum outro jogador fazer. Maradona conseguia transformar um simples passe em pura genialidade, dando o mesmo brilhantismo como se fosse um gol de placa. A habilidade aliada a velocidade, a sua visão de jogo e seu domínio de bola eram impressionantes. Os gols então... Eram maravilhosos! Gol de falta dentro da grande área, próximo da área, de longa distância, driblando meio time adversário, gol olímpico, gol do meio-campo, gol de mão, enfim gol de tudo quanto é jeito. Maradona em campo era como se fosse um artista se apresentando no circo. Imprevisível e mágico. Sem dúvida alguma, ele foi o jogador mais técnico de toda a história do futebol.

Mas além de seu indiscutível talento, sua personalidade revolucionária sempre me chamou a atenção. Podemos comparar a carreira e a vida de Maradona a jornada do herói proposta por Campbell. Diego é tratado por seus admiradores como um "deus". Porém, um deus humanizado, dividido entre o mundo dos mortais e dos imortais, defendendo os mais fracos e denunciando corruptos e decadentes. Assim como qualquer escolhido, Maradona foi exposto desde a infância a grandes dificuldades.

Sua aventura tem como ponto de partida o mediano clube Argentinos Juniors. Entretanto, sua iniciação como ídolo aconteceu em sua passagem pelo clube de coração, o Boca Juniors. Chegando na Europa, Diego começa a ser testado e provado, enfrentando obstáculos monstruosos e prazerosos. 

No Barcelona, Diego tem que provar o talento e o valor de um "sudaca" (termo pejorativo para sul-americanos). Ainda na Espanha, Maradona teve a contusão mais grave de sua carreira, mas mesmo assim conseguiu mostrar uma espetacular performance no clube catalão que, ao meu ver, foi muito mais digna do que as passagens de Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.

Contudo, o grande ápice de sua carreira foram os sete anos jogando pelo Napoli e a Copa de 1986. Como diz o diretor de cinema iugoslavo Emir Kusturica: “Foi um milagre que a Terra não tenha saído de seu eixo quando mais de um bilhão de pessoas saltou ao mesmo tempo. Foi o momento que celebraram o gol de Maradona contra a Inglaterra na Copa do Mundo do México”.

E é verdade. Os dois tentos de Maradona contra a Inglaterra talvez sejam os gols mais famosos de toda a história do esporte bretão. Além de todo simbolismo que existiu nesta partida. Ambos os países haviam guerreado pela soberania das Ilhas Malvinas. Este jogo foi um daqueles pouquíssimos momentos em que um país endividado pelo FMI conseguiu triunfar sobre uma potência mundial. Graças a isso, Diego foi visto como herói e conquistou uma grande recompensa: o amor de todo o povo argentino e a admiração de bilhões de pessoas do mundo inteiro. E tudo isso só com o seu pé esquerdo, assim como no filme do ator Daniel Day-Lewis.

Ainda na Europa, Maradona cai diante da tentação das drogas, tornando-se mais uma vítima da cocaína, iniciando assim a sua autodestruição. Fico imaginando como teria sido mais longa a sua carreira e que jogador deixamos de ver. Acredito que teria sido muito mais extraordinário do que já foi. Escuto muita gente dizer que Maradona não é exemplo para ninguém por causa do seu problema com as drogas. Penso o contrário. Antes ele poderia não ser, mas hoje ele é um exemplo de como se supera a dependência química. Mas enfim, acredito que Maradona não se importa em ser ou não ser exemplo para as pessoas.

Contudo, assim como qualquer "mito herói", Maradona mesmo destruído e lembrando um comedor de espaguete quase morto, consegue, graças a uma ajuda sobrenatural, renascer das cinzas como uma ave fênix, mas agora adquirindo o aspecto de um revolucionário mexicano. Mas esta foi apenas uma das tantas ressurreições de Diego. Depois disso, o herói Maradona finalmente conseguiu retornar à sua pátria. 

Ninguém imagina como fiquei contente em vê-lo na última Copa do Mundo e como torci pelo seu sucesso. Observar aquele senhor baixinho, vestido de terno, fumando charuto, lembrando um mafioso, e com um terço nas mãos, dirigindo a seleção de seu país foi algo indescritível. Havia algo místico no ar. Assistindo o Maradona na Copa do Mundo da África do Sul, eu tive a sensação de estar vendo um filme italiano, pois eram alegrias e tristezas ao mesmo tempo.

Por tudo isso, nenhum outro jogador de futebol é tão ídolo como Diego. A devoção dos napolitanos é gigantesca. Maradona trouxe o orgulho aos habitantes de Nápoles. O time azul e branco era o único representante do sul da Itália que finalmente conseguia quebrar a sensação de que os sulistas não podiam ganhar dos nortistas desenvolvidos e ricos. Para os napolitanos, Maradona foi muito mais do que o jogador que fez o Napoli ganhar tudo, mas sim um santo. Santa Maradona!

Em Rosário, na Argentina, foi criada a Igreja Maradoniana para cultuá-lo e homenageá-lo. Esta seita nada mais é que um exemplo de uma sátira religiosa, característica da nossa sociedade secular. Esta igreja possui mais de cem mil membros em todo o mundo e há muitos pontos em comum com a Igreja Católica, como versões de orações, batismo, casamento e um livro sagrado.

Como relatei no meu texto sobre John Lennon, gosto de figuras humanas e Maradona é assim. Ele é um deus humano. Nunca fez questão de parecer perfeito e de pregar um bom-mocismo falso como muitos fazem por aí. Por isso apesar de sua jornada heróica, Maradona é muito mais um anti-herói do que um herói. Sua justiça é feita por motivos egoístas, pessoais, por vingança, por vaidade. Suas falhas são mais gritantes do que suas virtudes. Diego errou, brigou, xingou, venceu dificuldades e lutou como qualquer outra pessoa. Maradona foi, é e sempre será ele mesmo. Carismático, talentoso, controverso, genioso, humilde, convicto, divertido e sarcástico.

Agora quem quiser entender a personalidade e a vida deste senhor, eu indico o filme “Maradona por Kusturica”, a melhor película sobre o atleta. Eu ficaria aqui falando milhares de coisas sobre Maradona, mas prefiro deixar alguns videos. Afinal, como diz o provérbio, uma imagem vale mais do mil palavras.


"Santa Maradona, priez pour Moi"


A vida de Maradona em cinco minutos e ao som de The Killers.


Acho esta uma das cenas mais emocionantes do filme de Kusturica. Ninguém melhor do que Manu Chao para cantar sobre Maradona. "Si yo fuera Maradona viviria como el. Porque el mundo es una bola que se vive a flor de piel".


Passes geniais de Maradona.


Este documentário relata toda a trajetória de Maradona na Itália. O documentário completo está disponível no youtube.


Gol do meio-campo e sem o goleiro estar adiantado. Maradona era fodástico.


Alguns gols de Maradona.


O gol mais belo da história de todas as Copas do Mundo narrado de forma emocionante pelo locutor uruguaio Victor  Hugo Morales.